Que habilidades precisa ter um bom negociador?
Por Francisco Guirado
Conhecer os elementos que levam ao sucesso ou ao fracasso das negociações e saber quando aplicá-los não é difícil, complicado mesmo é usá-los. Observamos rotineiramente pessoas que dominam as técnicas de negociação, têm um bom negócio nas mãos, mas não fecham o acordo por deixarem suas emoções aflorarem, ficando irritadas com a outra parte.
Outras, apesar de conhecerem muito bem a teoria de negociação, não conseguem expressar corretamente seus pontos de vista ou não ouvem as pessoas, acabando por obter acordos pouco vantajosos. Há, ainda, as que têm dificuldade em perceber as necessidades básicas e os interesses ocultos nas atitudes e nas palavras de seus interlocutores e não conseguem reunir o mínimo de informações que lhes permitam conhecer as pessoas com quem negociam, dominar o assunto em questão, o contexto ou as consequências de seus acordos.
O Negociador Competente
Para ser um negociador competente e conquistar bons resultados, antes de tudo é necessário conhecer e incorporar alguns princípios à nossa personalidade, dominar certas habilidades interpessoais que nos permitam interagir com outras pessoas, organizar nossos pensamentos internos e controlar os impulsos emocionais. Sem esses conhecimentos e habilidades primárias, qualquer princípio, estratégia, tática, dica ou truque de negociação que queiramos utilizar será inútil.
A transformação de conhecimentos, habilidades e atitudes em resultados práticos é conhecida como competência. Se um desses elementos não estiver presente, a ação resultante não terá sido realizada com competência.
Figura 1 – A Competência é composta por Habilidades, Conhecimentos e Atitudes.
O conceito de competência vem sendo cada vez mais adotado por empresas, instituições públicas e universidades brasileiras, tanto na gestão de pessoal como na formação de recursos humanos para o mercado de trabalho (1). Ao estabelecer as competências necessárias para determinado cargo facilita-se o desenvolvimento de habilidades que podem ser também utilizadas em outras áreas, capacitando os profissionais, entre outras coisas, para atuar em um ambiente repleto de incertezas e em constante evolução, como o encontrado na sociedade do conhecimento.
Pesquisa realizada com 136 executivos de empresas em quatro estados brasileiros (São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul) levantou os 48 atributos considerados mais relevantes para um executivo estar apto a atuar no mercado global. Nessa pesquisa, a capacidade de negociação foi considerada a oitava mais importante (2).
Em outro estudo, conduzido em três empresas de médio e grande portes na região de Porto Alegre (RS), para estudar as principais competências gerenciais valorizadasnas respectivas organizações, também se destacou a negociação como uma das capacidades fundamentais para um gerente (3). O PMBOK (4), uma importante publicação que reúne as melhores práticas na gestão de projetos, considera a competência de negociação uma das mais fundamentais para gerentes de projetos.
Mas o que é competência em negociação? No âmbito do Clube de Negociadores, nós a consideramos a “adoção de uma atitude adequada às circunstâncias, de maneira a transformar habilidades e conhecimentos em acordos estáveis para duas ou mais partes”.
Figura 2 – As Habiidades comportamentais e técnicas de negociação.
Agora vamos falar de habilidades. No centro da figura 2 temos as crenças. Elas influenciam tanto as habilidades comportamentais, com as habilidades técnicas. As habilidades da parte exterior da figura normalmente são influenciadas pelas habilidades da parte interior. Dessa forma, as habilidades emocionais têm a tendência de influenciar as cognitivas, que influenciam as comunicativas e assim por diante.
A fim de melhor compreender em que consiste esse conceito, devemos nos aprofundar nos outros quatro conceitos apresentados: conhecimentos, habilidades, atitudes e resultados. Neste artigo, porém, nos centraremos somente nas habilidades.
Habilidades de Negociação
Habilidades estão relacionadas à maneira como se executam tarefas, aplicam-se conhecimentos ou com a forma de agir e pensar. O desenvolvimento de uma habilidade consiste, basicamente, no aprimoramento de uma aptidão natural.
Ser capaz de raciocinar é aptidão, possuir agilidade de raciocínio para tomar uma decisão rápida no meio de uma negociação é habilidade. Ser capaz de falar é aptidão, falar com objetividade e clareza ao apresentar um argumento é habilidade. A aptidão reflete uma facilidade nata de realizar uma tarefa e pode ser treinada e aperfeiçoada para produzir um comportamento competente (5).
Grande parte das habilidades necessárias para que um indivíduo apresente um desempenho competente em suas negociações já foi incorporada às Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Administração, instituídas pelo Conselho Nacional de Educação.
Para fins didáticos reuniremos essas habilidades em dois grandes grupos: as habilidades comportamentais e as habilidades técnicas. As habilidades interpessoais, em particular, serão necessárias não só na negociação, mas em qualquer ramo de atividade em que sejamos obrigados a interagir com outras pessoas.
De onde surgiram as habilidades de negociação?
Utilizamos 3 principais fontes para estabelecer as habilidades de negociação de nosso treinamento. A primeira delas é um estudo conduzido na Inglaterra, que revelou que negociadores de sucesso empregam determinados padrões de comportamento comunicativo com mais frequência do que a média, enquanto evitam usar outros, normalmente encontrados em negociadores menos experientes (6).
Figura 3 – Habilidades usadas por negociadores competentes
Entre os comportamentos apresentados, observe a frequência com que as perguntas, a expressão de sentimentos e a audição ativa são usadas por negociadores experientes.
Em relação aos comportamentos que limitam nosso desempenho, vale ressaltar que, na grande maioria das vezes, não temos consciência desses hábitos. É como a mania de dizer “né”. Normalmente não percebemos o vício até que alguém o aponte. Somente após prestar atenção em nossas palavras e nos tornarmos conscientes do problema conseguimos corrigi-lo.
No âmbito do Clube de Negociadores, organizou-se um grupo de estudos para identificar as habilidades que seriam mais importantes para o exercício da negociação. Esse trabalho está sintetizado na Figura 2 e detalhado ao longo deste artigo.
Habilidades Comportamentais Emocionais
Outra importante fonte de conhecimento utilizada foi a obra de Goleman, Inteligência Emocional, publicada em 1996 (7). Goleman ensina que o controle das emoções é essencial para o desenvolvimento da inteligência de um indivíduo. Como exemplo, o especialista aponta que a maioria das situações de trabalho e da vida são envolvidas por relacionamentos entre as pessoas. Isso significa que pessoas com qualidades de relacionamento humano — como afabilidade, compreensão e gentileza — têm mais chances de alcançar o sucesso
As emoções humanas são provocadas por necessidades fisiológicas ou psicológicas que moldam as percepções e o comportamento do ser humano. O ambiente psicológico de uma negociação é dominado pela parte que apresenta maior controle emocional. Pessoas ansiosas, irritadiças ou com grande expectativa tendem a agir precipitadamente, comprometendo seus resultados, ao passo que negociadores equilibrados raciocinam e percebem melhor o ambiente em que se encontram.
As emoções afetam tanto a nós como a outra parte e têm as mais variadas intensidades. Temos de reconhecê-las e controlá-las. Ignorar que elas existem é o primeiro passo para o aparecimento de conflitos, pois as emoções afetam a comunicação, distorcendo e eliminando as informações que inserimos em nossos modelos mentais e, consequentemente, alterando o equilíbrio interno e influenciando as decisões.
O modo como nos sentimos está associado à forma como interpretamos uma situação, e não o contrário, ou seja, não é a situação em si que determina diretamente como nos sentimos – somos nós. Nesse contexto, as habilidades emocionais assumem papel extremamente importante em negociações.
Habilidades Comportamentais Sociais
Podemos não gostar ou mesmo não compartilhar valores e interesses com a outra parte, mas uma vez que tenhamos tomado a decisão de negociar precisamos empregar habilidades que nos permitam lidar com diferenças pessoais. Nesse sentido, devemos ser capazes de estabelecer relações interpessoais, colocando-nos no lugar da outra parte, identificando e compreendendo corretamente as necessidades psicológicas básicas das pessoas.
Também devemos aprender a acolher as opiniões alheias, mesmo que sejam divergentes das nossas e nos incomodem, ser capazes de reconhecer e elogiar as qualidades e as ações de outras pessoas, bem como avaliar nossos próprios méritos e deméritos, visando ao aperfeiçoamento futuro.
As habilidades sociais começaram a ser estudadas em 1949 quando Salter, um dos pais da terapia comportamental, desenvolveu diversas técnicas para aumentar a expressividade verbal e facial (8). DEL PRETTE publicou um artigo em que define habilidades sociais como o conjunto de capacidades comportamentais aprendidas que envolvem interações sociais (9). Do estudo de DEL PRETTE, suge a terceira fonte de conhecimento a partir da qual estabelecemos nossas habilidades de negociação.
Habilidades Técnicas
Uma vez estabelecidas as bases das relações interpessoais é possível aplicar sobre elas habilidades técnicas de negociação, de maneira que possamos alcançar objetivos nos mais diversos contextos e ambientes, desde os mais competitivos até os abertamente colaborativos.
Aqui se destacam as habilidades para conduzir negociações distributivas, integrativas, criativas, estratégicas e interculturais. Essas habilidades foram estabelecidas a partir de extensa literatura, grande parte influenciada pela Escola de Harvard.
Figura 4 – Habilidades técnicas de negociação
Referências
- RUAS, R.; ANTONELLO, C.; BOFF, L. et al. Aprendizagem organizacional e competências. Porto Alegre: Bookman, 2008.
- ECHEVESTE, S. et al. Perfil do executivo no mercado globalizado. Revista de Administração Contemporânea, 3(2), p. 167-186, 1999
- ODERICH, C. L. Os paradoxos da modernidade – uma reflexão sobre o macroambiente. Revista Eletrônica de Administração, Porto Alegre, v. 7, 2001
- PMBOK. Project Management Institute, 2008
- RESENDE, E. O livro das competências: desenvolvimento das competências – a melhor autoajuda para pessoas, organizações e sociedades. 2. ed. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2003.
- RACKHAM, N.; CARLISLE, J. The effective negotiator. Partes I e II, Huthwaite Research Group.Dublin: Journal of European Industrial Training, 1976.
- GOLEMAN, D. Inteligência emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996.
- SALTER, A. conditioned reflex therapy. New York: Creative Age Press, 1949.
- DEL PRETTE, A.; DEL PRETTE Z. Psicologia das relações interpessoais: vivências para o trabalho em grupo. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 33.
Pós-graduado em Marketing e Comércio Exterior pela Universidade Dom Bosco (Campo Grande – MS); pós-graduado em Comunicação Social pelo Centro de Estudos de Pessoal (Rio de Janeiro – RJ); mestre em Engenharia de Computação pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (São José dos Campos – SP); certificado como Project Management Professional pelo PMI – Project Management Institute; possui o curso de negociação pela J. F. Kennedy Special Warfare Center School (Estados Unidos); autor do livro “Treinamento de Negociação: desenvolvendo a competência para negociar”, da editora SENAC; e coautor do livro Jogada de Mestre: as 48 mais poderosas táticas de negociação.
Foi oficial aviador da Força Aérea Brasileira, atuando como coordenador de projetos estratégicos no Estado Maior da Aeronáutica e como gerente de projetos de desenvolvimento e de aquisição de aeronaves, na Comissão do Projeto Aeronave de Combate, onde adquiriu grande experiência na negociação de projetos com empresas aeronáuticas e de defesa, no país e no exterior.
Atuou ainda, a partir de 2006, como professor da Faculdade SENAC-DF, onde ganhou vários prêmios como professor destacado e paraninfo; além de ministrar cursos de negociação em diversas empresas e instituições públicas. Atualmente é Presidente do Clube de Negociadores.
Áreas de atuação: negociação de projetos complexos, negociação internacional.
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