O Planeamento da Mobilidade como alavanca para uma Cidadania Consciente. – Abayomi Academy
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O Planeamento da Mobilidade como alavanca para uma Cidadania Consciente.

A importância dos Planos de Mobilidade Urbana Sustentável (SUMP) Europeus.

Por Filipa Corais

Este artigo centra-se na relevância do planeamento da mobilidade como uma ferramenta de cidadania ativa e consciente ao nível da governança da mobilidade. Assim, salientam-se os critérios estruturantes que determinam a promoção da Mobilidade Urbana Sustentável (SUM) indutora da equidade social e da democracia nas cidades.

Os desafios atuais da SUM centram-se na problemática subjacente ao excesso de uso do automóvel privado nas cidades e na necessidade de mudanças de comportamentos de mobilidade, dado o impacto do setor dos transportes no ambiente (contribui com mais de 30% para o total dos GHG) e na qualidade de vida urbana.

Em geral, o desenho atual das cidades reflete uma pesada herança do planeamento car oriented, implementado a partir de meados do século XX, estando o espaço público maioritariamente afeto a esse modo de transporte. De facto, na década de 60, a banalização do transporte individual motorizado e a respetiva possibilidade de acesso a áreas cada vez mais distantes em tempos cada vez mais reduzidos, determinou a forma urbana das cidades atuais, estimulando o seu crescimento exponencial de forma difusa pelos territórios. Esta situação veio a gerar uma circunstância territorial insustentável que acentuou a dependência pelo automóvel privado e as desigualdades sociais.

No entanto, hoje, as cidades invocam a humanização do espaço público reivindicando, por conseguinte, a melhoria da qualidade ambiental, a segurança rodoviária, a saúde pública, a equidade social, a coesão social, a vivência urbana e, em suma, a qualidade de vida urbana.

Banister (2008, 2011) estabelece os principais contrastes entre as abordagens do passado de engenharia de tráfego e as novas abordagens em defesa pela Mobilidade Urbana Sustentável. Na promoção da SUM afirma-se a dimensão social acoplada à espacial, dado que o focus é colocado nas pessoas e, por conseguinte, o modo pedonal passa a ocupar o topo da hierarquia.

Para efetivar a mudança de paradigma de SUM e estimular a aceitação pública das medidas da SUM, Banister (2008) apresenta 7 elementos chave de atuação:

  • Promover a informação e o envolvimento da população; 
  • Definir um Pacote de medidas coerente:
    • Push (medidas dissuasoras do uso de transporte individual (TI) motorizado)
    • Pull (medidas promotoras dos modos ativos)
    • Hard (medidas físicas e estruturais no espaço público)
    • Soft (medidas promotoras da mudança de comportamentos, atitudes e mindsets em prol da SUM, tais como campanhas de comunicação, focus groups).
  •  Valorizar os benefícios da SUM em detrimento dos prejuízos para o TI; 
  • Fasear das medidas mais controversas; 
  • Garantir a coerência das políticas;
  •  Monitorizar as ações e reações.

Com base neste desígnio de mudança, em 2016, o Acordo de Paris foi assinado por 55 países. Este acordo estipulava, por exemplo, como objetivo para 2030, a redução em 40% das emissões de gases com efeito de estufa registadas em 1990. No entanto, quase 10 anos volvidos, verifica-se que são necessárias alterações profundas para acelerar a mudança com vista ao alcance das metas de neutralidade carbónica estabelecida para 2050.

Os SUMPs são os instrumentos estratégicos que (em articulação com os Planos Diretores Municipais -PDMs) devem enquadrar o planeamento da mobilidade e servir de “chapéu” para todas as ações a implementar nas cidades. Este instrumento deve ser desenvolvido para satisfazer as necessidades das pessoas e negócios e melhorar a qualidade de vida nas cidades.

As organizações e as entidades de interesse público nesta matéria, tais como a Comissão Europeia e o IMT (no caso de Portugal), têm um papel fundamental na persuasão e na implementação de normas e guias para impulsionar o desenvolvimento de SUMPs eficientes e eficazes com vista à inversão da pirâmide da mobilidade em prol dos modos suaves e ativos e à promoção da qualidade de vida nas cidades para todos.

Em julho de 2023, com a revisão e entrada em vigor do regulamento TEN-T, foram reforçados o papel e a responsabilidade das 431 cidades que atuam no território europeu como nós da rede transeuropeia de transportes. Neste sentido, surtiu a necessidade destas cidades adaptarem os seus SUMPs até ao final de 2027, o que constitui uma oportunidade de revisão ambiciosa das estratégias, bem como de uniformização dos documentos e dos indicadores de monitorização (que terão que ser reportados à Comissão Europeia), o que, por sua vez, irá permitir a avaliação comparativa do impacto destes planos no futuro das cidades. Neste âmbito, os indicadores urbanos de mobilidade (ainda em fase de definição) focam-se em: acidentes rodoviários e ferimentos; repartição modal; poluição sonora e do ar; congestionamento; emissões GHG; e, acesso aos serviços de mobilidade.

Outras exigências decorrentes do regulamento TEN-T consistem na definição de plataformas intermodais (ferroviário, rodoviário e modos ativos) de passageiros (até 2030) e de terminal intermodal de mercadorias (até 2040). Estes desígnios contribuem para o planeamento ordenado das cidades e terão um impacto positivo na equidade social no acesso aos transportes e à mobilidade de todos.

Outro papel fundamental deste tipo de organizações consiste na sensibilização, formação e articulação das redes de cidades para partilha de boas práticas e de experiências. As cidades debatem-se, atualmente, com problemas similares, pelo que a possibilidade de promoção de reflexão conjunta de soluções globais, ainda que contemple a necessidade de ser ajustada aos contextos locais, é fundamental. A Europa tem sido sensível a estes ensejos e, nas últimas décadas, tem vindo a promover diversos programas de redes de trabalho de cooperação que têm contribuído significativamente para a mudança e melhoria das condições de SUM nas cidades.

Os guias desenvolvidos pela comissão Europeia para os SUMPs (e.g. o pacote de mobilidade Urbana de 2013, desenvolvido pela Comissão Europeia, atualizado em 2023, com novas estratégias e prioridades, mas sem mudar substancialmente as orientações originais) relevam a importância da incorporação de mecanismos participativos durante todo o processo. Deste modo, são incentivadas parcerias com os residentes e stakeholders e uma presença diversificada de grupos sociais, etários e étnicos, abarcando pessoas com diferentes competências e conhecimentos úteis para garantir uma reflexão e debate democrático. Estes espaços de debate e partilha de ideias sobre as problemáticas de SUM constituem, igualmente, momentos de aprendizagem mútua e de capacitação da sociedade para o desenvolvimento de trabalho de equipa, visando a efetivação de uma mudança na organização das estruturas, das práticas e da cultura para um novo sistema mais sustentável e democrático.

Pelo exposto, considera-se que os SUMPs conferem uma oportunidade singular na promoção da cidadania consciente por parte das administrações e da governança ao nível da mobilidade, sendo indutores de uma valorização equitativa e democrática no acesso aos vários modos de transporte e no acesso aos espaços que integram a cidade.

A emergente mudança de paradigma ao nível das políticas de descarbonização mundiais, tais como o Acordo de Paris, carecem de ser objetivadas com medidas estruturais nas cidades, garantindo a equidade de oportunidade aos diversos modos de deslocação nos territórios. No entanto, estas medidas carecem de ser acompanhadas de uma mudança cultural na sociedade (de uma sociedade car oriented para uma sociedade human centric) (Gehl, 2010, 2011; Gehl & Svarre, 2013), transformando valores e crenças compartilhadas. A definição de normas uniformes para desenvolvimento dos SUMPs a escalas mais globais (e.g. europeia) constitui uma oportunidade de alavancagem da mudança universal e da promoção da equidade e justiça social.

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Referências:

Banister, D. (2008). The sustainable mobility paradigm. Transport Policy, 15(2), 73–80. https://doi.org/10.1016/j.tranpol.2007.10.005

Banister, D. (2011). Cities, mobility and climate change. Journal of Transport Geography. https://doi.org/10.1016/j.jtrangeo.2011.03.009

Gehl, J. (2010). Cidade para pessoas. Perspectiva.

Gehl, J. (2011). Life Between Buildings: Using Public Space. In Landscape Journal. IslandPress. https://doi.org/10.3368/lj.8.1.54

Gehl, J., & Svarre, B. (2013). How to study Public Life. In How to Study Public Life. Island Press. https://doi.org/10.5822/978-1-61091-525-0

https://transport.ec.europa.eu/transport-themes/urban-transport/sustainable-urban-mobility-planning-and-monitoring_en

chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.imt-ip.pt/sites/IMTT/Portugues/Planeamento/MobilidadeeTransportes/Documents/Gui%C3%A3o_PMUS.pdf

Filipa Corais é doutoranda na Escola de Arquitetura da Universidade do Minho, com bolsa de investigação do MIT-Portugal/FCT. Arquiteta pela Universidade de Coimbra e mestre em Planeamento e Projeto do Ambiente Urbano pela Universidade do Porto, atua como Chefe da Divisão de Mobilidade no Município de Braga desde 2016. Com experiência docente em diversas instituições internacionais, tem sido reconhecida por seu trabalho em mobilidade sustentável e cidadania consciente, incluindo o Abayomi Academy International Award 2024.

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