O Futuro da Criatividade: Como a IA Generativa Está Remodelando a Arte, o Trabalho e as Cidades
Por Ana Arcanjo
A IA generativa está transformando os espaços urbanos, os ambientes criativos de trabalho e a identidade cultural, redefinindo as cidades como ecossistemas dinâmicos de colaboração entre humanos e máquinas. Ela não está mais confinada a laboratórios e empresas de tecnologia — ela está infiltrando o próprio tecido de nossas cidades, remodelando a forma como criamos, experienciamos e interagimos com a arte e o design. Como destacado em “Generative AI and Creative Work: Narratives, Values, and Impacts” (Baptiste Caramiaux, 2025), as narrativas em torno da IA nos campos criativos revelam profundas tensões entre automação e a arte humana. Este artigo explora como a IA generativa está redefinindo as cidades como ecossistemas criativos, ampliando tanto as oportunidades quanto os desafios para espaços urbanos, artistas e comunidades.
O conceito de cidades como telas vivas vem sendo revolucionado pela IA generativa. Instalações de arte pública agora combinam criatividade algorítmica com cultura urbana, produzindo murais interativos, esculturas e performances que se adaptam aos ambientes. Designs gerados por IA, muitas vezes criados por modelos de deep learning, permitem que os artistas conceitualizem obras que respondem dinamicamente ao clima, movimento das multidões ou até mesmo às tendências das redes sociais. No entanto, como o estudo enfatiza, há uma tensão crescente entre o “conceito e a execução” — onde a IA lida com as partes complexas e trabalhosas da criação artística — e o valor tradicionalmente atribuído ao processo de criação. No urbanismo, isso levanta questões: estamos nos conectando com a visão do artista ou com a interpretação do algoritmo?
A IA não está apenas mudando o resultado do trabalho criativo, mas também transformando onde e como esse trabalho acontece. As cidades agora estão repletas de espaços onde artistas colaboram com algoritmos para produzir novas formas de expressão. Estúdios expandiram-se para ambientes híbridos onde ferramentas físicas e digitais coexistem.
Essa mudança se alinha à narrativa do estudo sobre “automação em detrimento do trabalho manual” e “eficiência sobre exploração”. Embora as ferramentas de IA permitam prototipagem e ideação mais rápidas, correm o risco de priorizar a velocidade em detrimento da profundidade que emerge da exploração centrada no humano. Urbanistas e líderes comunitários precisam, portanto, repensar como projetar espaços que promovam tanto a inovação tecnológica quanto a exploração artística genuína.
Imagem gerada por inteligência artificial – prompt autoral
Zaha Hadid Architects: Um Estudo de Caso em Design Urbano Impulsionado por IA
O escritório Zaha Hadid Architects (ZHA) exemplifica como a IA generativa pode transformar o design urbano e a arquitetura. Conhecida por suas formas fluidas e futuristas, a ZHA adotou ferramentas de IA para expandir os limites da criatividade arquitetônica.
Eles utilizam a IA para acelerar o processo de design, permitindo a geração rápida de formas arquitetônicas complexas. Utilizando plataformas como Midjourney e Gendo, além de desenvolver ferramentas próprias, o escritório consegue produzir designs intricados e visualizações fotorrealistas em uma fração do tempo tradicional. Essa aceleração permite uma exploração mais extensa de possibilidades de design, ampliando tanto a criatividade quanto a produtividade.
A adoção da IA revolucionou os esforços colaborativos da ZHA. Implementando a plataforma Omniverse da NVIDIA e adotando o Universal Scene Description (OpenUSD), o escritório otimizou os fluxos de trabalho, permitindo colaboração em tempo real entre designers que utilizam diferentes aplicações. Essa integração facilita iterações mais rápidas e um desenvolvimento de projetos mais coeso, garantindo que designs complexos sejam tanto inovadores quanto viáveis.
Essas aplicações vão além do design, estendendo-se ao planejamento urbano e ao engajamento público. Por exemplo, o trabalho no Bee’ah Headquarters nos Emirados Árabes Unidos destaca o papel da IA na criação de soluções arquitetônicas sustentáveis e responsivas. O design do edifício incorpora sistemas orientados por IA para otimizar o consumo de energia e a interação ambiental, refletindo uma harmonia entre tecnologia e consciência ecológica.
Embora a IA ofereça inúmeros benefícios, a ZHA mantém uma atenção cuidadosa às considerações éticas, especialmente em relação à autoria e ao risco de homogeneização cultural. Seu trabalho exemplifica uma abordagem equilibrada, usando a IA como ferramenta para aprimorar, e não substituir, a criatividade humana.
Um dos insights mais marcantes do estudo é o risco de homogeneização cultural causado por conteúdos gerados por IA. Nas cidades, isso se torna particularmente evidente. Se os modelos de IA generativa forem treinados em conjuntos de dados dominados por estéticas de determinado lugar, a arte pública e a arquitetura podem começar a perder suas características locais, resultando em uma uniformidade global no design urbano.
Por outro lado, a IA também oferece uma oportunidade de amplificar vozes sub-representadas. As cidades podem usar a IA para preservar e reinterpretar o patrimônio cultural — seja por meio de restaurações assistidas por IA em edifícios históricos ou de performances generativas que recontam histórias indígenas em formatos contemporâneos. O desafio é garantir que a IA funcione como uma ferramenta para a diversidade cultural, e não para o apagamento.
O objetivo deve ser criar cidades onde a IA enriqueça, e não diminua, a riqueza da criatividade humana. A IA generativa tem um imenso potencial para transformar cidades em ecossistemas criativos vibrantes e dinâmicos. No entanto, como enfatiza o estudo “Generative AI and Creative Work: Narratives, Values, and Impacts”, esse futuro está repleto de tensões entre automação e arte, eficiência e exploração, inovação e preservação cultural.
O trabalho da Zaha Hadid Architects ilustra tanto as possibilidades quanto os desafios de integrar a IA ao design urbano. Ao moldar conscientemente as narrativas e políticas em torno da IA nos espaços urbanos, podemos construir cidades que celebrem tanto o avanço tecnológico quanto o valor insubstituível da criatividade humana.

Arquiteta de interiores, Mestre em design e pesquisadora interdisciplinar. Entusiasta de metodologias inovadoras de ensino.
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