O DIREITO ACHADO NA RUA, OU MELHOR, NO CORPO ENCANTADO DA SAPUCAÍ – Abayomi Academy
loading...
CLOSE

O DIREITO ACHADO NA RUA, OU MELHOR, NO CORPO ENCANTADO DA SAPUCAÍ

Por Analyz Pessoa Braz

Vamos falar sobre o desfile das Escolas de Samba do grupo especial do Rio de Janeiro no ano de 2025 e traçar uma relação entre “O Corpo Encantado das Ruas”, livro1 de Luiz Antônio Simas, e “O Direito Achado na Rua”, movimento de Roberto Lyra Filho e equipe da Universidade de Brasília. 

A ideia é visualizar como as manifestações culturais, apresentadas na passarela da Sapucaí, se apresentam como um espaço de afirmação cultural e jurídica.

Nas duas referências acima, temos o reconhecimento da latência e da relevância dos espaços públicos como locais de expressão de cultura, resistência social e construção de significados. Luiz Antônio Simas apresenta a rua como um organismo vivo com ritos e símbolos. Já Lyra Filho enxerga a rua como espaço de enunciação do direito.

Ao olharmos para os desfiles de 2025, podemos refletir sobre narrativas que emergiram na avenida: quais enredos se dedicaram a reparar injustiças históricas? Quais corpos e histórias ganharam protagonismo? Como a estética e a musicalidade das escolas dialogaram com os debates sociais contemporâneos?

O corpo encantado das ruas

O livro ensina que a riqueza simbólica presente nas práticas culturais urbanas transforma o cotidiano em extraordinário.

Simas examina as ruas, denominadas por ele como “corpos encantados”, descrevendo-as como palcos onde se manifestam as identidades culturais brasileiras, como espaços de encontro e celebração, onde se expressam narrativas de poder, resistência e cultura popular.

O Direito achado na rua

O movimento O Direito Achado na Rua2 é uma abordagem teórica e prática do direito que surgiu na UNB na década de 1980, sob a liderança do professor Roberto Lyra Filho, com a participação de acadêmicos e estudantes. Caracteriza-se por uma perspectiva crítica e comprometida com a transformação social. 

À luz dessa concepção, o direito deve ser entendido não apenas como um conjunto de normas impostas, mas como um reflexo das dinâmicas dos conflitos sociais, das lutas e demandas das comunidades, em especial contra os interesses das elites dominantes. Ele deve atuar como um instrumento de emancipação sociopolítica, promovendo a participação ativa dos cidadãos e movimentos sociais na construção do direito e na democratização do acesso à justiça.

No primeiro artigo desta coluna, as bonecas Abayomi prestaram um tributo essencial às tradições de um povo silenciado, reforçando a importância de reconhecer e valorizar suas heranças culturais. Agora, essa simbologia se materializa em sambas-enredos que traduzem, em movimento e canto, o que o direito deve (ser): uma expressão viva de resistência e identidade.

Em 2025, as escolas trouxeram enredos que dialogam diretamente com essa visão de direito:

A Unidos do Viradouro apresentou Malunguinho, exaltando a entidade afro-indígena e recontando a história do Quilombo do Catucá, em Pernambuco, e a luta de seu último líder, João Batista, o Malunguinho.

Já a Estação Primeira de Mangueira trouxe a presença negra no centro do Rio de Janeiro, da influência bantu aos desafios atuais, denunciando o apagamento histórico e social dessa população.

A Beija-Flor de Nilópolis, campeã do Carnaval, celebrou Laíla, homenageando sua trajetória no Carnaval, sua religiosidade e a fé em Xangô, reforçando sua contribuição para dar voz à favela e a tantas gerações.

Imagem digital fictícia de personagem de desenho animado

O conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

Foto 1: Desfile da Beija-Flor – Fábio Motta/Prefeitura do Rio 

(Disponível em: https://prefeitura.rio/riotur/segundo-dia-de-desfiles-do-grupo-especial-e-marcado-por-homenagens/)

Essa manifestação cultural, por si, e por tudo que representa, ecoou um exemplo árduo da batalha da construção de condições de possibilidade para que os discursos de cidadania consciente fossem não só entoados e apresentados, mas reconhecidos. 

Em entrevista3 sobre “a exaltação da religiosidade preta na Sapucaí em tempos de intolerância”, no Carnaval deste ano, o carnavalesco e pesquisador Milton Cunha observa que:

A escola é soberana. É preciso que a inteligência, a intelectualidade, o poder, a classe dominante olhe como a melhor vitrine do Brasil. E para isso, precisa descer do salto. É preciso que o Brasil dê um passo atrás e reconheça a identidade cultural do nosso povo. Em 100 anos, a negritude conseguiu vir da dor absoluta do abandono da tal da República, da tal da Abolição da escravatura (faz o sinal de aspas), que jogou o nosso povo na esquina, na rua, sem terra. Quando essa negritude começa a fundar os grêmios, ela começa a se estruturar enquanto poder para peitar o abandono, peitar o desaparecimento, o apagamento. A escola de samba é a reexistência do povo periférico.

Encerro com as palavras de Milton. Diante de uma fala como essa, uma pausa reflexiva se faz não apenas necessária, mas inevitável.

——–

  1. Luiz Antonio Simas. O corpo encantado das ruas. 1a edição. Rio de Janeiro. 2019
    ↩︎
  2. Leia Entrevista com Roberto Lyra Filho sobre a criação da Nova Escola Jurídica Brasileira (NAIR), seguida do programa por ele organizado para o Centro de Estudos Dialéticos: o Direito Achado na Rua. Rascunhos Inéditos em:  https://doi.org/10.26512/9786558190097.c3 ↩︎
  3.  Entrevista ao Jornal O Globo, disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2025/02/20/escola-de-samba-e-macumba-gostem-ou-nao-diz-milton-cunha-sobre-exaltacao-da-religiosidade-preta-na-sapucai-em-tempos-de-intolerancia.ghtml
    ↩︎

Analyz Pessoa Braz é advogada pública com experiência tanto na advocacia quanto na academia. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (2010). Mestre em Memória: Linguagem e Sociedade (2014), especialista em Direito Público (2011), em Direito Negocial e Imobiliário (2025) e discente do MBA de Gestão do Direito nas Empresas pela FUNDACE/USP. Atua na EMBASA (Empresa Baiana de Águas e Saneamento) desde 2013 onde também é instrutora interna, tendo certificação pela Universidade Corporativa do Servidor do Estado da Bahia. Sua contribuição acadêmica se destaca em temas como biopolítica, segurança pública, videomonitoramento, regularização fundiária e direito ao saneamento básico. 

Saiba mais sobre Analyz: Instagram – Linked In