loading...
CLOSE

Mobilidade em tempos de pandemia: acessibilidade de Pessoa com Deficiência Física em Cadeira de Rodas

“MOBILIDADE EM TEMPOS DE PANDEMIA: acessibilidade de uma Pessoa com Deficiência Física em Cadeira de Rodas” é um depoimento pessoal da experiência da cadeirante REGINA COHEN.

Há pouco mais de um ano iniciamos tempos difíceis de muita angústia e ansiedade nesta Pandemia do Novo Coronavírus – a COVID-19, 20 e já estamos no ano de 2021. Tendo vindo da Academia, quando fiz meu mestrado e doutorado na UFRJ, não perdi o vício de refletir e escrever acerca do que vivemos em nossas urbes brasileiras. No Estado do Rio e, particularmente, na minha Cidade Maravilhosa do Rio de Janeiro, a quarentena teve início em março do ano de 2020 e eu entrei no confinamento físico e social exatamente a partir do dia 09 deste mês.

Senti saudades do sol e do mar, mas também de caminhar pelas calçadas do meu bairro de Ipanema, apesar das más condições de acessibilidade. Meus percursos em cadeira de rodas interromperam-se e imaginava como higienizar meu equipamento de locomoção caso decidisse sair, nem que fosse ir ali na esquina. Ficar confinada em minha residência me mostrou meu convívio já diário com as barreiras de acessibilidade e me amedrontou, ainda mais, de sair por causa delas e para evitar o contágio, trazendo algum vírus para casa, onde moro com minha mãe de cerca de 90 anos. Nunca, na verdade, me acostumei com as dificuldades e, como arquiteta com deficiência especialista em acessibilidade e consultora internacional, continuo trabalhando pela eliminação destes obstáculos. Me avisaram e me lembraram que com 63 anos, também já faço parte de um outro grupo de risco por causa da idade. Erraram todos porque continuo me sentindo jovem e, apesar dos espaços deficientes que encontro, desejo continuar rodando pela minha inóspita cidade, pelo meu país e viajar bastante pelo mundo. Ainda me sinto com muita energia para conhecer os lugares que fazem parte da minha lista de desejos.

Me afastando da utopia dos meus sonhos, desejei buscar o que está além da Cidade Fantasma do COVID-19 e me questionei sobre a acessibilidade do futuro. Senti uma enorme saudade das ruas, dos amigos, do calor, da cor e da alegria dos espaços. Também continuo sentindo falta das palavras de afeto no encontro face a face e da empatia que a urbe, mesmo inacessível, me traz. Dos dias coloridos sempre diferentes uns dos outros. E da brisa do mar que amo. Tudo ficou suspenso.

Decidi, então, colocar minha máscara para encarar o desafio e dar uma voltinha na praia ali na esquina, apesar de um pouco do medo.

 
Regina de máscara na praia
Regina de máscara na praia

Encarei uma travessia sem rampas, sobressaltos pelas calçadas e, como de costume, necessitei tomar cuidado com os buracos, evitando a aproximação das pessoas.

Travessia inacessível em Ipanema
Travessia inacessível em Ipanema

E então, aquele marzão se abriu para mim, o sol e a brisa acariciaram meu rosto e fiquei um mais feliz.

Regina na praia de Ipanema
Regina na praia de Ipanema

A PANDEMIA E MINHA EXPERIÊNCIA COMO CADEIRANTE

Hoje vivemos um momento que implicará e repercutirá, diretamente, no planejamento das urbes em todo o mundo. A maioria dos profissionais na área de projeto, pesquisadores e estudiosos estão convictos de que a atual pandemia afetará a maneira de conceber, de experienciar, de viver e de percorrer as cidades. Esta nova vivência urbana mudará para sempre nossos hábitos e nossa relação com os lugares, mas também nossa mobilidade pelas ruas e pelos espaços urbanos. Sem sombra de dúvida, a COVID-19 evidenciou velhos problemas como a questão da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Como eu, Regina Cohen, arquiteta com deficiência física que se locomove em cadeira de rodas, vivo as dificuldades adicionais, agora reforçadas pela quarentena e pelos distanciamentos físico e social?

Busco uma resposta para os percursos pelos espaços das cidades, que desejo mais acessíveis e inclusivos para mim e para todos. Como profissional, procuro soluções específicas para enfrentar desafios diários de mobilidade enfrentados neste momento específico que vivemos, através de rotas inacessíveis para a locomoção e a mobilidade. Aqui, priorizo também minhas emoções e meus sentimentos na experiência urbana e na acessibilidade que encontro, evitando o contágio ao caminhar nas travessias do Rio de Janeiro. Através de conversas, troca de ideias, debates e compartilhamentos, minha percepção continua querendo sair desta quarentena constante de barreiras e de inacessibilidade vivida por muitas pessoas com deficiência, como eu. Penso no desenvolvimento inteligente das cidades, indo além da tecnologia, trabalhando com aquilo que enquanto ser humano tenho de fundamental que é meu aspecto subjetivo e emocional no desenvolvimento das minhas atividades diárias.

MEU PERCURSO E MINHA ACESSIBILIDADE POR IPANEMA

Em pensamento, caminho, tentando construir outra maneira de me relacionar com a cidade, que torne as barreiras mais amenas, mostrando e falando de outros caminhos. Desta forma, gozo o privilégio de ser eu mesma: arquiteta, deficiente e pesquisadora, mas sou também o caminhante penetrando nos percursos. Em meio a esta pandemia, procuro, na alma encantadora das ruas da minha cidade, encontrar estes espaços mais fechados durante meu confinamento. Tentei, no meu curto passeio pela praia, abrir os espaços e torná-los acessíveis. Não caminhei por lugares que achei que não valiam a pena.

Praia de Ipanema com barreira na calçada
Praia de Ipanema com barreira na calçada

Percorri rápido pelo Calçadão de Ipanema, me perdi no vazio imposto pelas autoridades de saúde, saboreei com ansiedade meu percurso pelas indesejadas pedras portuguesas, me perturbei com o silêncio, mas também aproveitei a inesperada tranquilidade.

Inesperada Tranquilidade
Inesperada Tranquilidade

Naquele cantinho de praia busquei morada em cada perspectiva e duvidei do espaço privilegiado de proteção da casa onde tenho que me confinar neste período. Superei minha insegurança e meu medo pelos mesmos caminhos que tenho percorrido. Fiquei revoltada com as adversidades impostas e estou aqui escrevendo sobre a minha curta experiência urbana em tempos da pandemia COVID-19.

Meu espaço secreto vivido no meu sonho foi difícil de realizar. Significou uma sublimação das asperezas da calçada, do cuidado e da distância do Outro, despertou outros sonhos, outros desejos e outros afetos. Após esta curtíssima trajetória, procurei por minha relação objetiva com os espaços, pelo entendimento da emergência de uma nova imagem com dinamismo próprio. Tive que definir por onde poderia caminhar e definir outros percursos para concentrar meu olhar em caminhadas fundamentais efetuadas pelas pessoas com alguma deficiência e pelas quais a cidade se revela para mim e para elas. O resultado mais gratificante será observar o poder das transformações, se existirem e quando acontecerem, e o prazer de uma caminhada pela praia, pela praça ou pela rua de meu bairro.

Vi estes locais com duplo ar de proibição: a inacessibilidade e a pandemia.

Digo que me sinto privilegiada por morar em um bairro alegre onde não é tão difícil percorrer em cadeira de rodas. Essa é a imagem de um “espaço feliz” que possibilita a apropriação dos lugares amados por mim. Apesar das dificuldades encontradas no meu curto passeio para a praia, amo minha Cidade do Rio de Janeiro.

Busco uma felicidade própria independentemente da situação do caos urbano de inacessibilidade da quarentena, mas que a cidade tem revelado há bastante tempo. Para as pessoas com deficiência se locomoverem, precisamos entender que não é simples percorrer aos sobressaltos causados pelas características das ruas. Minha imaginação assume aqui o poder de efetuar mudanças. Desligo-me do passado e da realidade de muitas cidades, apontando para um futuro, inaugurando o novo que a pós-pandemia pode proporcionar com melhores condições nos meus percursos e de todas as pessoas. Isso fica claro quando, verdadeiramente, acredito que o Rio poderá ser uma cidade linda e acessível. Invento a minha cidade.

A urbe ininteligível e recusada, que não nos foi concebida, terá de se transformar em uma cidade que pode conter outras cidades e todos os percursos possíveis. Acredito ter inaugurado uma nova narrativa urbana que pode brotar de cada um dos meus movimentos e de meus desejos. Esta narrativa pode expandir meu mundo e a minha experiência tornando-as mais reais. O percurso realizado me fez partir dos espaços para chegar aos lugares, construindo cidades, ruas e caminhos. Além de pesquisadora e arquiteta e também na qualidade de pessoa com deficiência, decidi criar esta narrativa baseada em minha própria experiência urbana durante um curto percurso neste período de distâncias, quarentenas e incertezas do COVID-19.

Quer saber mais sobre Regina Cohen? Confira o LinkedIn: Regina Cohen, Arquiteta PhD.