LINGUAGEM COLABORATIVA – SIM, VOCÊ PRECISA UTILIZÁ-LA!
Por Edilson de Farias
Ao buscar-se uma definição para o termo “negociação” nos dicionários, é possível encontrar uma infinidade de resultados distintos. Apenas em uma rápida pesquisa no google, foi possível obter aproximadamente 17.300.000 resultados em pouco mais de 0,46 segundos. Um verdadeiro espanto!
Percebe-se, no entanto, que há um ponto comum na esmagadora maioria dessas definições: praticamente todas citam, direta ou indiretamente, tratar-se de um processo de interação social desenvolvido por meio da comunicação entre as partes. Considerando-se que a linguagem, em última análise, constitui-se no veículo que permite tais interações (posto ser o elemento viabilizador da comunicação), é justo que se lance um olhar mais detalhado sobre ela. É o que este breve artigo se propõe a fazer.
Dada sua relevância no desenvolvimento dos processos negociais, o Clube de Negociadores lança um olhar significativo sobre o tema, a ponto de considerar a “Linguagem Colaborativa” como uma das habilidades que devem ser conquistadas por todos aqueles que pretendem negociar de forma competente. De forma geral, o termo significa “estabelecer uma comunicação de modo a facilitar relações interpessoais, evitando interrupções, vícios de linguagem e expressões irritantes, autoritárias e de contrariedade” (Clube de Negociadores, 2018).
A importância atribuída ao assunto encontra amparo em diversos fundamentos, dentre eles uma pesquisa feita por Neil Rackham e John Carlisle (1978), onde analisou-se o comportamento de negociadores bem-sucedidos em negociações efetivamente ocorridas entre representantes sindicais e da administração, quando comparados a negociadores medianos.
Os resultados obtidos pela pesquisa não deixaram dúvidas: negociadores competentes se expressam de forma a evitar o emprego das chamadas “expressões irritantes” (assim entendidas como aquelas capazes de desencadear um processo de desgaste entre as partes, por promoverem sentimentos ruins entre elas); usam com frequência (exceto quando pretendem discordar de um argumento) a “linguagem preparatória”, assim entendida como aquela que introduz de forma “suave” (como que “amaciando o terreno”) o tema a ser abordado; empregam fartamente a chamada “audição ativa”, na qual manifestam (de forma direta ou não) que estão voluntariamente entregando sua atenção àquele que detém a palavra; evitam entrar em espirais de ataque e defesa; e empregam suas habilidades de comunicação para fazer perguntas, a partir das quais adquirem maior consciência situacional e evitam os efeitos negativos dos chamados “filtros mentais”, que trataremos mais adiante.
Ora, se não restam dúvidas sobre a importância do tema no desenvolvimento das interações humanas, como poder-se-ia explicar ser tão difícil para as partes aplicá-las no dia a dia? Para melhor compreender tais dificuldades, julga-se ser importante entender como funciona o cérebro humano. Para tanto, optou-se por utilizar como ponto de partida uma constatação: de que as ações e decisões dos atores (sejam eles quem forem) não se baseiam obrigatoriamente na realidade, mas sim na forma pela qual essa realidade foi representada na mente de cada um deles.
Explique-se: sempre que está diante de uma situação, o cérebro humano tende a focar em um conjunto de aspectos e busca sobre eles coletar o máximo de informações possíveis, usando para isso os “sensores” (que nada mais são do que os sentidos –visão, audição, olfato, tato e paladar) que estiverem disponíveis. É exatamente nesse momento que entram em ação, de forma involuntária, os chamados “filtros mentais”, que agem para facilitar a compreensão, trazer comodidade e gerar sentido naquilo que está sendo percebido.
São três filtros: o primeiro ELIMINA um conjunto de informações consideradas desnecessárias, de forma a permitir que o foco esteja onde entende ser prioridade; o segundo DISTORCE as informações, de forma a que elas façam sentido e facilitem sua compreensão; por fim, o terceiro filtro GENERALIZA as informações, fazendo com que o atores cheguem a CONCLUSÕES GERAIS a partir de DADOS PARCIAIS.
Obviamente, a ação desses filtros pode trazer enormes problemas no processo de comunicação, uma vez que passa a existir uma distância (não raro, significativa) entre a realidade e a percepção de um fato ou uma situação. O pior? a reação natural comandada pelo cérebro se dará não pelo FATO, mas sim a PERCEPÇÃO dele que foi formada. Quanto maior for esse desvio, maior será a probabilidade de que a reação seja inadequada à situação.
Agravam essa resposta outros fatores que ajudam a formar aquilo que será a base pela qual os indivíduos compreenderão o universo que os cerca – o que pode ser chamado de MODELO MENTAL: o repertório linguístico cultural; o temperamento; a constituição física e as crenças. Cada um deles, em maior ou menor escala, influenciará na forma como a realidade será percebida.
Além disso, qualquer processo de comunicação está sujeito a inúmeras interferências: o uso de um código que não seja comum entre as partes; má dicção; ruídos ambientais; barreiras psicológicas… a lista é grande e toda ela, potencialmente, poderá comprometer negativamente no processo de transmissão de uma mensagem.
Como se pode perceber, é importante que se tenha cuidado no processo de comunicação, de forma a evitar (ou pelo menos minimizar) as distorções causadas pelos filtros mentais, bem como o consequente desenvolvimento de sentimentos ruins.
A questão que se põe é: seria possível mitigar todas essas dificuldades e facilitar o estabelecimento de uma relação harmônica entre as pessoas? A prática mostra que há alguns caminhos, citados a seguir sob a forma de dicas:
– Evitar usar a expressão “MAS”: também conhecida como “partícula esculhambativa”, ela traz consigo a ideia que se pretende degradar a proposição formulada pela contraparte. Sugere-se, no lugar dela, o emprego de EXPRESSÕES ASSOCIATIVAS (“COMO”, “TAMBÉM”, “ALÉM DISSO”), principalmente quando a intenção for a de complementar ou discordar levemente de alguém.
– Evitar fazer acusações: diante delas, a tendência natural do Ser Humano é tirar o foco do fato em discussão e passar a empregar toda sua energia para se defender. Não raro, essa defesa evolui para o ataque ao acusador ou a outros, estejam eles envolvidos ou não no processo.
– Evitar também os chamados “VÍCIOS DE LINGUAGEM”. Um exemplo simples deles pode ser visto quando um indivíduo, mesmo concordando com uma determinada situação ou fato, diz “Não, tudo bem”, quando na verdade deveria usar “Sim, tudo bem”.
– Evitar interrupções quando outra pessoa estiver falando, uma vez que tal ato pode transmitir a ideia de que não está sendo dada a devida atenção ao que está sendo tratado; que o ouvinte não se importa com o que a contraparte tem a dizer; ou que o assunto / colocação daquele que interrompe é mais importante.
– Estar atento ao tom de voz e a expressão corporal, que devem estar em perfeita sintonia. Cuidado especialmente para não transparecer, de forma inadvertida, uma imagem de superioridade / agressividade indesejada.
– Quando na posição de ouvinte, preocupar-se em transmitir sinais claros de entrega voluntária da atenção, de interesse e da tentativa de compreensão do conteúdo que está sendo apresentado.
– Por fim, deve-se evitar dar ordens diretas (poucos gostam de recebê-las). A solicitação educada, ainda que manifestada com firmeza, tende a gerar melhores resultados.
Diferentemente do que possa parecer após a leitura dessas dicas, empregar a linguagem colaborativa não é tarefa simples – principalmente quando sob estresse e/ou em situações de crise. Requer, primeiramente, que cada indivíduo conheça profundamente a si mesmo, suas crenças, limites e reações involuntárias a estímulos (principalmente negativos), além da prática constante, de forma a desenvolvê-la como habilidade. Somente assim será possível aprender a manejar os próprios limites, colaborando para o desenvolvimento de ambientes mais saudáveis a partir de uma comunicação eficaz, com evidentes benefícios para a vida pessoal e profissional.
Bibliografia:
- GUIRADO, Francisco. Treinamento de Negociação – Desenvolvendo a competência para negociar. Brasília: Ed. SENAC, 2012.
– RACKHAM, N. and Carlisle, J. (1978), “The Effective Negotiator — Part I: The Behaviour of Successful Negotiators”, Journal of European Industrial Training, Vol. 2 No. 6, pp. 6-11.
– _______Part 2: Planning for Negotiations”, Journal of European Industrial Training, Vol. 2 No. 7, pp. 2-5.
Mentor, Consultor Sênior e Docente Pesquisador em Negociação, Liderança, Gestão de Conflitos e Gerenciamento de Crises. Líder de equipes de alto desempenho. Mestre em Ciências Navais e Especialista em Gestão Empresarial e Negociação. Negociador profissional.
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